Há já muito tempo de desejava ir
a “Tormes” e à casa do “príncipe da Grã-Ventura”.
Desde sempre que o Eça faz
parte dos escritores de eleição e “A Cidade e as Serras” um dos escritos favoritos. A primeira vez que o li, lembro-me de chorar a rir com a
hilária viagem Paris-Tormes de Zé Fernandes e Jacinto e ainda mais com a
atribulada chegada à casa onde não eram esperados. Talvez por ser um livro que
transporta a um lugar feliz, havia a vontade de conhecer um lugar feliz.
O sábado mostrou-se o momento
ideal para a visita em família. Contactada a Fundação Eça de Queiroz (http://www.feq.pt/) para marcação da experiência,
foi nossa opção a visita guiada com prova de vinhos produzidos na quinta, que
transformou o momento cultural também num momento de partilha e prazer. O custo de 8 euros para os adultos (as crianças acima de 10 anos pagam metade do
valor) e incluía a visita guiada e a prova de dois vinhos, generosamente
acompanhados com presunto, broa e azeitonas.
A chegada até Baião pode ser
feita de várias formas. Se escapar à autoestrada e se enfrentar as curvas da
nacional 108, a compensação vem em forma de paisagens fantásticas sobre o rio
Douro e a paragem em vários mosteiros e igrejas que fazem parte da “rota do
românico”. Depois, é só seguir as indicações para Santa Cruz do Douro ou para a
Fundação… Sim, porque Tormes é um lugar ficcional que saltou da toponímia do
romance para a realidade. Na verdade só existia na imaginação do Eça mas, a
recorrente referência a este lugar, fez com que se instalassem algumas placas
indicativas. Contudo, Tormes, administrativamente, não é real.
A casa de Tormes, onde está
instalada a Fundação, no exterior é como a descrição no romance. No interior, que tenta manter preservada a vivência de Eça na casa, estão ainda as três únicas peças de mobiliário que Jacinto (e Eça) encontrou na sua
primeira chegada a este lugar: o arcaz de sacristia, a "cadeira do
príncipe da Grã Ventura" e a "mesa do arroz de favas". E mal a guia
começa a falar no arroz de favas, de imediato lembro da descrição de Jacinto a comer
o dito com frango alourado. E esta é a magia do lugar: a descrição do romance
mistura-se com a descrição da vida do escritor e o espaço descrito está ali.
Estamos nele.
Em toda a casa vemos pedaços da
vida de Eça, da sua obra, dos seus. Estão lá as peças e objetos que vieram da
casa de Paris, uns pessoais outros decorativos. Marcas da passagem por Havana e
Bristol. Fotografias dos amigos, da família, dos momentos. Pelas paredes,
quadros mais ou menos ilustres, mapas e plantas comprados nos alfarrabistas nas
margens do Sena. Livros pelas estantes, uns originais e muitas edições e
traduções das obras de Eça. Um enfim que enche a alma a quem é fã do escritor e
um aguçar de apetite em quem nunca o leu.
No final de um percurso entre o
que é real e romanceado, estavam os verdes da quinta. Fresquinhos, souberam
bem.
Mas aqui não importa o vinho,
importam os sorrisos e gargalhadas, as conversas sobre a casa, sobre o Eça,
sobre a experiência, sobre a aventura. E os planos para voltar. Para trepar a
encosta como o Jacinto e Zé Fernandes, desde a estação à casa, e ver o Douro.
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